... Melhor do que viver um sonho, é vê-lo tornar-se
realidade...
O CONTADOR DE HISTÓRIAS
Há muitos e muitos anos, surgiu, em um reino distante, um rapaz de vinte e poucos anos. Na mão direita, velho cajado. Nas costas, o manto. No rosto, um lindo sorriso.
- Venham!... Venham todos!... – dizia ele, pulando de uma carroça para outra – Venham conhecer a magia e a felicidade. Venham tornar seus sonhos realidade.
Em pouco tempo, grande multidão se formou, todos ansiosos para saber o que aquele estranho bufão queria apresentar.
- Venham todos! – repetia ele várias vezes – Venham, que eu lhes encantarei como nunca antes alguém os encantou...
- O que você faz, meu jovem, que a tantos convida? – perguntou um aldeão cansado das misérias humanas – que prodígios você é capaz de nos mostrar?
- Veja com os próprios olhos.
O rapaz, então, fez malabarismo, brincou com as pessoas, contou piadas e histórias. Em pouco tempo, a cidade estava em festa e, sem nenhuma razão, todos começaram a sorrir.
A noite chegou. Tochas foram acesas. Homens passaram a discutir assuntos já há muito esquecidos, e os jovens dançavam e cantavam por toda parte.
No dia seguinte, em um campo próximo, o rapaz montou acampamento e, de todos os lados, vinham cidadãos e escravos; homens e animais; para falarem com o jovem imigrante que a todos ouvia e questionava.
- Quem és tu? – perguntou um velho senhor, cuja sabedoria era reconhecida até mesmo nos muros do palácio.
- Eu sou a inconsciência, o impulso, a lógica. – respondeu o estranho bufão.
- Suas palavras me parecem insanas – tornou o sábio, com olhar severo – como tu podes ser inconsciente, impulsivo e lógico? Eu não consigo entender.
- Esta é a minha essência – respondeu o jovem enquanto brincava com uma criança – a muitos, encanto... A muitos, conquisto...
- Mas tu só vendes ilusão!... – admoestou o sábio.
- Eu trago a verdade que cada um pode encontrar em seu caminho... Sei que melhor do que viver um sonho, é vê-lo tornar-se realidade...
- Agora você falou de forma coerente. – disse o velho, enquanto alisava a longa barba branca – E como pretende ver esta verdade, se és o primeiro a vender a ilusão?
- Eu pretendo iluminar o mundo com a magia de minhas histórias, com o enc...
- Meu jovem – interrompeu o sábio paternalmente - olhe o que está fazendo com este povo! Muitos homens estão parados, conversando, apesar de terem que trabalhar... Mulheres brincam com crianças ou fazem comidas, que lhes faltarão se não retornarem à realidade...
O jovem refletiu nas considerações do bom homem e depois declarou:
- Tudo segue seu ritmo natural. A desordem momentânea gera o equilíbrio posterior.
O sábio alisou a longa barba e depois asseverou:
- Concordo, meu amigo, algumas vezes a desordem é necessária... Mas, afinal, qual é o seu verdadeiro objetivo?
- O meu objetivo é viver e ajudar a viver da forma mais feliz, mais completa possível... Chega de sofrimentos que podem ser evitados com o bom senso... Basta de hipocrisia, do egoísmo, do medo... Nós estamos em um mundo para viver, e não apenas para sobreviver... Se escolhermos viver, temos que agir da melhor forma possível, sem que para isto tenhamos que pisar nas pessoas ou sermos pisados por elas...
- Meu bom senhor – continuou o contador de histórias – sei que você não está aqui para me testar e, mesmo que não concorde, vou lhe contar um segredo: todos nós temos um compromisso e aqui, juntos, poderemos trabalhar pela melhoria da humanidade.
O sábio abaixou a cabeça e questionou como se falasse para si mesmo:
- Como poderia ajudar sendo velho como sou? O que eu poderia fazer?
- Use o que sabe! – respondeu o jovem, colocando a destra sobre o ombro do novo amigo – quando chegar a qualquer pessoa não tente impor sua vontade. Exemplifique e verá que nada o que fizer ou disser estará perdido. Espere as perguntas, pois estas virão e só então dê o seu conselho. Se não for assim, ninguém o compreenderá.
O jovem calou por um momento. Depois, perguntou:
- Gostaria de ouvir uma história?
- Você pretende me ensinar alguma coisa com ela?
- Não tenho essa pretensão. Quero apenas distraí-lo e, quem sabe, gerar um assunto com que possamos conversar.
- Neste caso, aceito.
O jovem colocou-se em pé, pois sabia que seu relato seria apreciado, e logo foi cercado por uma verdadeira multidão.
Maravilhados, todos se deixavam levar por cada palavra do contador de histórias, como se aquele momento fosse o momento mais importante de suas vidas.
O SÁBIO E O SONHADOR
Às vezes, basta a boa vontade para se realizar grandes obras.
Um sábio se dignou a ouvir um louco que encontrou pelo caminho.
- Eu irei construir uma escola! – disse o louco, sonhando acordado – Nela, nada será cobrado e todos poderão aprender o que querem aprender, e não o que for imposto pela sociedade. O pobre será tratado igual ao rico. A arte fará parte do currículo e a religião, assim como a filosofia, será discutida sob a luz da razão.
Notando a simplicidade daquele homem, que só poderia ser um louco, o sábio falou:
- Atitude nobre, meu amigo, porém, há de se observar a prudência. Onde estão os recursos necessários para edificação de tão grandiosa obra?
Sem se deixar abater, o sonhador respondeu:
- Aquele que tem um sonho, e trabalha por ele, poderá encontrar dificuldades no caminho, mas, se não desanimar, será capaz de conquistar o mundo.
O sábio insistiu:
- Por acaso, o senhor possui amigos que lhe ajudarão na construção?
O sonhador suspirou fundo, como a recordar de algum fato esquecido no passado, e respondeu:
- Infelizmente, não. Mas tenho certeza de que amigos não me faltarão na hora em que eu construir a minha escola.
- Então, deixe-me adivinhar – arriscou o sábio – você conta com professores, auxiliares ou pessoas que estão dispostas ao trabalho?
O louco balançou a cabeça negativamente:
- Hoje, conto apenas comigo, mas tenho certeza de que a providência divina há de me ajudar.
O sábio deu um sorriso irônico e declarou:
- A todos nós, meu amigo, a todos nós.
Após um minuto, o sábio quis trazer o sonhador para a realidade:
- Quem irá lecionar na sua escola?
O louco pensou, pensou e sonhou:
- O pouco que sei, ensinarei, e quem vier aprender comigo me ensinará o que souber. Assim, iremos aprendendo e ensinando uns aos outros.
Não desistindo de sua intenção de abrir os olhos do pobre coitado, o sábio ponderou uma última vez.
- E os livros, os cadernos, os lápis... Onde conseguirá?
O sonhador ficou por um instante sério e, após rápida reflexão, respondeu:
- Eu acredito no homem e na sua capacidade de trabalhar pelo bem comum. Se não tivermos livro, aprenderemos conversando. Se não tivermos lápis, escreveremos no chão e decoraremos as palavras. Para a boa vontade não existem barreiras.
- Como vejo, o senhor é um idealista. – falou o sábio, se preparando para partir. Antes, porém, completou com muita educação, mas sem a menor vontade de cumprir o prometido – Quando eu voltar, faço questão de ser o diretor desta grandiosa obra!
A alegria tomou conta do sonhador. Um homem como o sábio na direção da escola significava que ela iria se tornar uma realidade e crescer cada dia mais.
O tempo passou e, com ele, a memória do sábio.
Um dia, quando menos esperava, eis que um amigo lhe entrega uma carta do louco.
Curioso, o sábio abriu a carta e leu as seguintes palavras:
“Caro amigo,
A nossa escola acaba de se transformar em uma universidade por ordem real e necessita do teu trabalho como reitor.
Confesso que antes de conhecê-lo, cheguei a pensar que tudo fazia parte de uma grande ilusão de minha cabeça, mas assim que contei que o senhor apoiava a ideia e que em breve voltaria, muitos aceitaram contribuir com a obra.
Inicialmente, deram-me um terreno e um pouco de material de construção. Eu ensinei a plantar e a escrever para alguns homens que me ajudaram a levantar a primeira sala. Outros vieram, e aprendi um pouco com todos eles e até atrapalhei alguns com a minha ignorância. Mas não desisti, pois, um dia, quero ser um sábio como o senhor e levar luz à humanidade.
Peço-lhe desculpas por não aguardá-lo! A minha vontade de ver tudo funcionando, antes de tua chegada, me fez pedir ajuda a todos que passavam por aqui. Eu devo ser algum louco mesmo...
De qualquer forma, em pouco tempo, aquela sala ficou pequena para tantos que queriam aprender e também ensinar. Muitos traziam alimentos, que eram distribuídos entre os alunos mais pobres. Outros, livros velhos ou pedaços de lápis para serem reaproveitados.
Hoje, contamos com voluntários, que gratuitamente lecionam em tempo integral. Mas temos, também, professores pobres, que recebem remuneração regular por iniciativa dos próprios alunos.
Meu amigo, eram tantos aflitos pelo saber e tantos que queriam ensinar que eu tomei a liberdade de falar com o rei em pessoa. Hoje, a nossa pequena escola foi elevada à condição de universidade com uma verba mensal, o que permitirá a ampliação de nossas atividades.
A minha vontade era encontrá-lo antes, mas agora que sei onde está, mando-lhe esta carta para que o senhor volte e assuma o comando da escola, que é seu por direito.
Aguardando o teu retorno. Despeço-me com um forte abraço.”
***
O sábio leu e releu a carta inúmeras vezes. Durante uma semana meditou. Depois, vendeu tudo o que possuía, fez as malas e escreveu uma carta para o sonhador:
“Caro amigo.
Com grande alegria, recebi a tua carta. Alegria maior em saber que tudo está caminhado de acordo com os nossos sonhos.
Em breve, estarei junto a ti para assumir meu lugar de direito. Quem sabe, não venhamos a construir um hospital, onde os doentes possam ser tratados com amor e respeito sem pagarem nada por isto.
Ou talvez um orfanato, onde as crianças sejam educadas para se tornarem homens de bem.
Ou, ainda, um abrigo para idosos, onde a valorização humana esteja em primeiro lugar...
Se for possível, gostaria que estudasse essas possibilidades.
Não te preocupes com minha demora. Estou terminando alguns estudos que me custarão alguns meses, mas em breve estarei aí, contigo, e assumirei meu lugar de direito.
Que Deus abençoe a nossa obra.
Um abraço para todos.”
***
Após despachar a carta, o sábio ajeitou as malas em uma velha carroça e partiu para outro país, onde não era conhecido. Então, esqueceu os títulos que possuía, perdeu a arrogância e começou a ensinar como um humilde professor até o último dia de sua vida.
E, assim, todos viveram felizes para sempre.
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